O conceito de unção é hoje vago e indefinido. Pelo menos em certos meios. Refiro-me à ideia contemporânea do termo e não à antiga prática israelita de ungir oficialmente reis, profetas e sacerdotes.
Hoje fala-se em “nova unção”, em “ungidos do Senhor”, ou na “unção que está neste lugar”, em momentos de culto a Deus.
Capacitação
A ideia de unção é a da capacitação sobrenatural com vista ao cumprimento de um determinado propósito. É sempre assim que acontece na bíblia hebraica.
A unção com óleo (azeite), no Antigo Israel, constituía o processo de aplicação de substância oleosa naquele que, através do acto, receberia uma influência e capacidade espiritual, de carácter sobrenatural, portanto, para o desempenho da função de que era investido. Isto é, Deus apontava e capacitava especialmente alguém que chamava, segundo a sua vontade, para o servir numa dada função de relevância. Era uma forma de dotar homens comuns das condições necessárias para a liderança e a bênção do povo.
Então, quando uma pessoa era ungida, era mandatada e capacitada para fins divinamente determinados. A unção veterotestamentária reveste-se ainda de um sentido peculiar que exprime autoridade e poder. Daí o facto de reis, profetas e sacerdotes serem ungidos, pois representavam e exerciam liderança temporal e espiritual sobre o povo.
Na nova aliança
No Novo Testamento a unção parece ter sido substituída pelo acto de imposição de mãos, como no caso da ordenação ministerial, ou consagração ao ministério, sem a aplicação de óleo, a não ser em casos de oração por cura, na igreja, por parte dos líderes da mesma e baseada numa escritura de forte influência judaica, a epístola de Tiago.
Esta circunstância leva a crer que, na tradicional utilização de óleo nos actos de unção do Antigo Testamento, aquele simbolizava o Espírito Santo, que haveria de selar a nova aliança, transformando agora a utilização do referido líquido simbólico em excepção à regra, uma vez que o mesmo Espírito permanece na igreja e por isso dispensa o símbolo.
Unção dos enfermos
A unção dos enfermos, nos meios católicos, é normalmente a última que se recebe em vida, já que é administrada aos moribundos. Conhecida como extrema-unção, por ser administrada in articulo mortis (a ponto de morrer).
Mas a unção dos enfermos é prática nas igrejas bíblicas, de acordo com Tiago: “Quem está doente, chame a si os presbíteros da Igreja e orem por ele, depois de o ter ungido com óleo no nome do Senhor” (Tg 5:14-15).
Ungidos somos todos!
“E vós tendes a unção do Santo” (1Jo 2:20).
Afinal, o que é unção, segundo o Novo Testamento? Nada mais do que a presença do próprio Espírito Santo que habita no crente desde o momento da sua conversão a Deus. Assim, todo verdadeiro cristão é ungido com o Espírito de Deus, já que é santificado em Cristo (1Co 6:11), razão pela qual o Espírito Santo passa a habitar nessa nova criatura (1Co 6:19-20), tornando-o um ungido de Deus (2Co 1:21-22).
Mas essa unção tem um propósito geral e específico. Ser ungido com o Espírito Santo implica separação para o serviço divino, do mesmo modo como os objectos no Antigo Israel eram separados para a utilização litúrgica no templo. A unção está totalmente ligada ao processo de santificação e serviço. Somos sempre ungidos para algum mister.Segundo Mackenzie: “É evidente que uma pessoa ou coisa era ungida com a intenção de torná-la sagrada” (1).
Jesus foi ungido simbolicamente pelo Pai para servir durante o seu ministério terreno (At 10:38).
A questão dos “ungidos do Senhor
”Denominar na igreja pessoas específicas como “ungidos” não é adequado uma vez que a unção “não é privilégio de um grupo” (2). Alguns recorrem ao Salmo 105:15 confundindo o conceito de unção da nova aliança com o do Antigo Testamento. Nesse tempo só os reis, profetas e sacerdotes eram ungidos, mas hoje, todo o crente nascido de novo é rei e sacerdote, no sentido espiritual (1Pe 2:9; Ap 1:6).
Nos tempos actuais o verdadeiro Ungido é Jesus, o Cristo (Ungido de Deus).
O escândalo dos ungidos que falham
Muitos cristãos escandalizam-se com a ideia de que homens e mulheres ungidos possam manter uma vida dupla ou falhar moralmente, revelando assim deficiências de carácter muito sérias. Mas não sei qual é a surpresa, pois a realidade demonstra inúmeros casos, mesmo ainda na história bíblica. Moisés falhou. David falhou. Pedro falhou. E tantos, tantos outros ungidos de Deus.
Confusão entre unção e manifestação do Espírito Santo
É corrente a confusão entre unção e manifestação espiritual. Ora, a unção, de acordo com o que se pode verificar no Antigo Testamento, não é uma manifestação momentânea do Espírito Santo, nem tem uma característica mística. É muito claramente uma capacitação que Deus coloca sobre o indivíduo e que nele permanece, com vista a um fim.
Outra coisa é o sentido da presença de Deus num dado lugar onde a igreja se reúne em nome de Jesus.
Unção pessoal versus unção do lugar
Demasiadas vezes se monta um engano sobre a ideia de que este ou aquele indivíduo são especialmente ungidos, ou portadores de uma unção muito forte.Se todos os crentes têm a unção do Santo, se todos são ungidos, porquê, então, considerar especial o que é vulgar? O que pode existir é um dom (carisma) específico sobre a vida da pessoa em questão. Mas isso não é unção, é carisma (dom espiritual) ou ministério espiritual.
Muitas vezes acontece, porém, outra coisa. A presença divina faz-se sentir naquele lugar, de um modo muito forte. Mas não está escrito que o próprio Jesus Cristo está presente onde se reúnem “dois ou três” em seu nome e num mesmo espírito? (Mt 18:20).
A “nova unção”
“E a unção fica em vós” (1Jo 2.27).
A unção é permanente, o que contradiz o conceito de nova unção. O Espírito Santo habita no crente e por isso o filho de Deus não necessita de quaisquer novas unções. O pastor Antonio Gilberto defende que “Deus restaura, sim, a nossa unção recebida Dele, mas isso não significa ‘uma nova unção” (3). Essa linguagem é de natureza neopentecostal (“unção de conquista”, “unção de ousadia”, “unção do profeta Elias”, “unção dos quatro seres” e outras mais). Tais expressões só revelam um conceito errado de unção. Unção, para muitos, é um poder mágico que capacita a pessoa a ser uma espécie de mini-deus, e configura uma sede de espiritualidade desassociada de Deus. E nos dias que correm tal coisa é, no mínimo, perigosa.
O que necessitamos mesmo de ungir são os olhos, com colírio, para vermos bem (Ap 3:18)…
Referências Bibliográficas: 1) Mackenzie, John L. Dicionário Bíblico, Ed. Paulus, SP, 1983.2) Romeiro, Paulo. Resposta Fiel (entrevista), Ed. CPAD, ano 5, n° 17, p 11.3) Gilberto, Antonio. Ensinador Cristão, Ed. CPAD, ano 8, n° 29, pg 20.
Por Brissos Lino no Blog Ovelha Perdida
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