terça-feira, 26 de julho de 2011

O terrorista de Oslo está a servir-se de nós


O homem que matou 76 pessoas na Noruega para assinar um manifesto xenófobo é inteligente. Não só preparou o atentado, nos seus mais ínfimos detalhes, como planeou o episódio seguinte. Breivik escolheu ser preso, sem oferecer resistência à polícia quando esta, finalmente, chegou até ele. A decisão, deliberada, de sobreviver ao confronto inicial com as autoridades pretende espoletar uma nova fase do seu projecto: a propaganda.

Nós, jornalistas, divulgamos: Breivik escreve, em nome de um colectivo, que "a luta democrática contra a islamização da Europa tinha acabado", que é preciso "executar traidores das categorias A e B marxistas/multiculturalistas" e que no julgamento procurará "apresentar todas as provas favoráveis à nossa causa para gerar um máximo de simpatizantes e apoiantes para o movimento de resistência europeu ou nacional".

A preocupação, competente e profissional, de toda a imprensa europeia em, no dia seguinte ao horror, tentar explicar detalhadamente o quadro mental, social, cultural e ideológico deste terrorista comprova, ironicamente, o quanto a comunicação social fracassou anteriormente: onde estão, para contraponto, as reportagens, os artigos, as análises e os comentários que nos mostrassem, antes desta tragédia, estar uma nova extrema-direita, refinada, atrevida, preparada para atacar de forma tão decidida? Onde estão os alertas que o suposto olhar atento dos jornalistas deveria ter emitido?

E, no entanto, basta percorrer qualquer site público de organizações extremistas de direita, conhecidas das autoridades, para descobrir que esta gente discute aberta e recorrentemente a questão da luta armada, a prática do terrorismo, as formas de obter financiamento e propaganda. A denunciar isso, a imprensa europeia, com poucas excepções, falhou.

Em Portugal, estupidamente, sempre que um irrelevante Mário Machado - que à superfície nada tem que ver com Breivik mas que, em boa verdade, é pano do mesmo tear - diz um disparate ou organiza um desfile com dez amigos a mostrar cruzes suásticas, corremos a apontar-lhe microfones e câmaras oferecendo publicidade, de mão beijada, a troco de notícia alguma. E ele, de todas as vezes, fica um pouco mais forte...

Andamos anos a publicar a nossa manifesta ignorância sobre o fundamentalismo islâmico. Deparamo-nos, agora, com o facto de sermos ainda mais ignorantes quanto ao fundamentalismo cristão que cresceu, sem o vermos, na nossa comunidade. Não sabemos, portanto, o que andamos a escrever. Temos, nos jornais, de pensar e discutir seriamente este assunto.

Artigo de Pedro Tadeu no Diário de Notícias .

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