Epidemia de dengue, que se repete a cada ano, e surto de microcefalia, uma inquietante novidade, evidenciam que o país tem falhado no controle da proliferação do mosquito
Para além de ser um indicador epidemiológico, a estatística de vítimas do Aedes aegypti evidencia que há um colapso no setor de saúde pública do país. Somente este ano, cerca de 1,5 milhão de brasileiros entraram para a relação de vítimas da dengue, provocada pelo mosquito. Descobre-se agora que a zika, também transmitida pelo inseto e dada como menos letal em sua manifestação direta, está relacionada a um mal bem mais grave, a microcefalia, de alto grau de letalidade, quando nada de comprometimento de fetos.
Já chega a 1.200 o total de registros desse tipo de malformação ligados a gestantes com histórico de manifestações da zika, com maior incidência no Nordeste. Depois de contido no início do século passado por Oswaldo Cruz, e dado como erradicado do país na década de 1950, o mosquito reapareceu. De trinta anos para cá, o Brasil até montou um protocolo de combate ao vetor, mas os constantes surtos, agora agravados pela grande ocorrência de microcefalia, indicam que é preciso avançar na guerra contra o inseto.
Fica evidente que as ações empreendidas até agora são insuficientes. O combate direto ao mosquito não tem logrado acabar com os focos de transmissão, reflexo direto de profundas demandas no âmbito do sanitarismo do país — uma particularidade que torna mais alta a incidência de doenças em regiões menos assistidas pelo poder público. Por sua vez, a sociedade não tem feito a sua parte, mostrando-se leniente com providências que precisam ser adotadas, nas residências, para conter a proliferação do vetor.
A expansão das regiões afetadas e agora a entrada em cena de surtos de microcefalia indicam que o país alterna momentos de maior mobilização contra o Aedes com outros de negligência com a prontidão, que deve ser permanente. Contribui para isso uma tendência a descentralizar, no mau sentido, a guerra ao mosquito. Com isso, ainda há bolsões no país com políticas mais frouxas, em geral em regiões onde a população se sente menos ameaçada (e, contraditoriamente, onde é mais suscetível a tais doenças).
Essa tibieza se traduz em derrotas seguidas nas batalhas contra o Aedes aegypti. O país precisa, se não mudar, ao menos aperfeiçoar o protocolo, com uma política mais unificada, que envolva, a partir de alguma centralização, todos os organismos ligados ao problema. Uma espécie de “gabinete de crise”, com poderes inclusive de recorrer a ações de emergência, em que a saúde da sociedade se sobreponha a resistências individuais contra medidas no âmbito do sanitarismo. E, sobretudo, não se pode voltar a incorrer no velho erro de, debeladas as crises, poder público e sociedade relaxarem. O Brasil tem falhado no controle do mosquito. Mais uma epidemia de dengue e a inquietante novidade do surto de microcefalia são prova disso.
Fonte: O Globo
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