*Por Rogério Furquim Verneck
Chocado com a profundidade da recessão e com as proporções da assustadora interação da crise econômica com a crise política, o país foi surpreendido pela notícia de que o presidente da Câmara decidira, afinal, acolher pedido de abertura de processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff.
Embora ainda seja difícil vislumbrar com um mínimo de nitidez os complexos desdobramentos dessa decisão, é inevitável que as especulações sobre isso dominem o debate político e econômico do país nos próximos meses. O que se pode fazer, de imediato, é analisar em que medida as dificuldades que a presidente Dilma já vinha enfrentando foram agravadas pela deflagração do processo de impeachment.
Para perceber quão difícil já era a posição da presidente Dilma, é importante entender que ela se defrontava com quatro impossibilidades sérias que impunham a seu governo perspectivas muito pouco promissoras. Para quem não tinha se deixado levar pela autoilusão, já estava mais do que claro que:
1 — Sem que o governo mostrasse que tinha condições de conduzir a superação da crise econômica, seria impossível conter o alarmante processo de fragilização política da presidente Dilma;
2 — sem um programa ambicioso e convincente de mudança do regime fiscal, seria impossível reverter a incerteza sobre a sustentabilidade das contas públicas, que vem impedindo a superação da crise econômica;
3 — como faltavam à presidente a convicção necessária e o respaldo político requerido, tal mudança de regime fiscal estava completamente fora do seu alcance;
4 — sem condições de conter os efeitos avassaladores que o prolongamento da crise econômica estava fadado a ter sobre a produção e o emprego em 2016, a presidente não teria como se livrar da prevalência de um quadro de grande incerteza política, turbinado por risco crescente de impeachment.
Ter essas quatro impossibilidades em mente ajuda a entender com mais clareza quão delicada já era a situação que vinha sendo enfrentada pela presidente Dilma, antes da deflagração do processo de impeachment.
Que, sem dar sinais inequívocos de que seria capaz de conduzir a superação da crise econômica, a presidente não conseguiria conter sua fragilização política era algo que Lula já vinha defendendo com grande empenho. O problema é que Lula acreditava que tais sinais poderiam advir de uma simples encenação que um novo ministro da Fazenda se disporia a fazer.
Que a superação da crise econômica exigiria mudança mais ambiciosa do regime fiscal era um fato considerado absolutamente trivial pela grande maioria dos analistas do quadro econômico brasileiro. E que a falta de convicção e de respaldo político da presidente Dilma impediria que ela levasse adiante tal mudança era quase consensual.
Tendo em vista a inexorabilidade das três primeiras impossibilidades, a presidente parecia condenada a enfrentar o desgaste político implícito na quarta impossibilidade. Bastava ter em mente que cada ponto percentual de aumento da taxa de desemprego significaria mais um milhão de pessoas desempregadas. E que o que se previa era que a taxa de desemprego se elevaria em pelo menos três pontos percentuais ao longo dos próximos meses.
É esse desgaste político adicional que deverá ser agora exacerbado pela deflagração do processo de impeachment. Com o Congresso conflagrado e a presidente fixada na salvação de seu mandato, a condução da política econômica deve se tornar ainda mais problemática do que vem sendo. E, à medida que o desconforto social com os efeitos do prolongamento da crise econômica se agrave nos próximos meses, a coalizão favorável ao impeachment pode se tornar irresistível.
Mais cedo ou mais tarde, o desfecho do processo de impeachment acabará ditado pela sensibilidade do Congresso à posição do eleitorado sobre a questão. Mas o Planalto sabe que, na disputa pela opinião pública, enfrentará grandes dificuldades. E nisso, tem toda razão. O que a presidente tem a mostrar, ao final de cinco anos de governo?
*Rogério Furquim Verneck é economista e professor da PUC
Fonte: O GLOBO
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