sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

ECONOMIA DO IMPEACHMENT

Por José Paulo Kupfer 



Sugere-se contar até dez antes de aderir às primeiras e apocalípticas narrativas a respeito do que pode acontecer com a economia depois da admissão do processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff. Se fosse um evento inesperado, as consequências do fato poderiam indicar mudança abrupta de rumos ou acentuada aceleração de tendências. Mas, como vinha sendo cozinhada em fogo lento há muito tempo, a ação chantagista do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, não deve mudar praticamente nada na trajetória econômica já desenhada para os próximos meses.




Se alguma coisa pode mudar, na verdade, é no sentido de abrir espaços para encurtar o roteiro de incertezas alimentado pela indefinição sobre o futuro de Dilma. No mundo dos negócios, ninguém que decida o que quer que seja sairá, no momento, da posição defensiva em que se encontra — não sendo o caso de avançar com investimentos, não o é também de recuar ainda mais. Além disso, a marcação do início do processo — que, enquanto perdurou como hipótese, paralisou tanto a economia como a política — estabeleceu o calendário para o seu desfecho, em intervalo de tempo relativamente curto, entre um e três meses.

A reação inicial dos mercados, no dia seguinte à admissão do processo de impeachment, também não deve ser tomada por seu valor de face. A subida da Bolsa e a valorização do real ante o dólar, na contramão dos movimentos nas praças internacionais, ajudam a lembrar que o mercado já se posicionara contra Dilma nas eleições do ano passado e vê com gosto a troca de guarda no governo, ainda que antes do próximo pleito. Mais do que nunca, a volatilidade será a regra.

Como ficou fartamente demonstrado com os resultados do PIB do terceiro trimestre, divulgados nesta terça-feira, a situação da economia é muito ruim — a recessão já se prolonga por seis trimestres e, em relação ao seu início, acumula perda de 5,8%, num dos ciclos de baixa mais longos e profundos em muitas décadas. Nem por isso as perspectivas de médio prazo são melhores e as hipóteses mais prováveis indicam mergulho ainda mais fundo nos próximos trimestres.

A chave desse forte empuxo baixista vem, principalmente, de dois componentes da demanda agregada que raramente atuam em direções divergentes. Não é só a demanda que determina o investimento, mas, com o consumo das famílias no chão, derrubado pelo desemprego, a inflação e a contração do crédito — todos com chance de piorar, no curto prazo —, o investimento tende ainda mais à inibição. A perspectiva do impeachment entrou nesse caldo como uma dose de pimenta.

Com as previsões de que o PIB caia 1% no último quarto do ano, a contração da economia em 2015 deve ficar entre 3,5% e 4% e só o carregamento estatístico estimado para 2016 garante novo encolhimento de pelo menos 2% para o ano que vem, com tendência a avançar até o entorno de 3% negativos. O horizonte de alguma retomada em 2017, descrito por um razoável conjunto de projeções, se daria a partir de uma base deprimida em inéditos 7%.

É possível imaginar que os temas econômicos de interesse do governo continuem a enfrentar dificuldades no Congresso, entrando como parte da coreografia que comporá o balé político do impeachment — nada, aliás, muito diferente do que já ocorria desde o início do segundo mandato de Dilma. Em todo caso, alguns dos pontos mais importantes do ajuste fiscal, incluindo a aprovação da meta deficitária de 2015, a manutenção de vetos presidenciais, desarmando pautas-bomba, e a acomodação da CPMF no projeto orçamentário de 2016, são batalhas vencidas.

Tudo resumido, as condições gerais do que se poderia chamar de “economia do impeachment” podem passar uma sensação térmica de frio mais intenso do que aponta a coluna de mercúrio dos termômetros. Estes mostram que, se a temperatura econômica, no médio prazo, ainda deve baixar, não se deveria esperar que fosse pela formação de novas massas polares na frente política.


Fonte: O GLOBO 

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