No fim de semana passado, operários chineses instalaram o último dos 4.450 painéis triangulares que compõem o “prato” da antena do que será o maior radiotelescópio do mundo, em construção desde o fim de 2008 na província de Guizhou, no Sudoeste do país. Batizado FAST (sigla em inglês para “telescópio esférico de abertura com 500 metros”), o equipamento terá, como o próprio nome indica, 500 metros de diâmetro, superando em cerca de 200 metros o famoso observatório radioastronômico de Arecibo, em Porto Rico, que desde os anos 1960 liderava a lista entre as instalações do tipo. Com isso, a antena do FAST vai ter uma área coletora quase três vezes maior que o de Arecibo, aproximadamente 196 mil metros quadrados contra 70 mil, o que vai se traduzir em maior sensibilidade e resolução.
Com capacidades e instrumentos também mais avançados que os de Arecibo, o FAST vai abrir uma nova janela para o estudo do Universo. Entre suas atribuições quando começar a operar, a partir de setembro, estará “escutar” as tênues emissões das gigantescas nuvens de hidrogênio neutro que permeiam a Via Láctea, permitindo melhor mapear a estrutura e formato de nossa galáxia. O radiotelescópio também deverá detectar milhares de novos pulsares — estrelas superdensas de nêutrons que giram rapidamente e emitem sinais periódicos de rádio, como um “farol” espacial — dentro da Via Láctea, e encontrar os primeiros exemplares destes estranhos objetos, possíveis fontes de ondas gravitacionais (distorções no espaço-tempo previstas por Albert Einstein há mais de cem anos e cuja existência foi apenas recentemente confirmada) fora de nossa galáxia, entre outros feitos.
— Toda vez que se inaugura um instrumento com tamanhas capacidades como o FAST, sempre esperamos descobrir coisas novas sobre o Universo, muitas vezes algumas que nem imaginávamos que existissem — destaca Gustavo Rojas, astrofísico da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), no interior de São Paulo. — Embora também tenha suas limitações, o FAST será muito mais versátil que o observatório de Arecibo, com uma qualidade de imagem bem melhor numa faixa de frequências maior, o que vai permitir que aborde questões relevantes da astronomia e da cosmologia.
Mas talvez o que mais chame a atenção do público em geral é justamente a possibilidade de o FAST ajudar na busca por vida extraterrestre. Além de caracterizar nuvens de material no espaço à procura de moléculas orgânicas pré-bióticas, o radiotelescópio, como o maior “ouvido” da Terra, poderá captar eventuais sinais emitidos por uma civilização alienígena ou mesmo ser usado para enviar mensagens da Humanidade para o Universo na esperança de que ela seja recebida, e respondida, pelos ETs.
— O telescópio é de grande significado para que os humanos explorem o Universo e civilizações extraterrestres — comenta Liu Cixin, escritor chinês de ficção científica cuja trilogia “O problema dos três corpos” aborda justamente um fictício projeto militar secreto realizado durante a Revolução Cultural Chinesa que envia sinais de rádio para o espaço na tentativa de estabelecer contato com extraterrestres e foi vencedora no ano passado do Prêmio Hugo, um dos mais importantes no mundo neste campo da literatura. — Espero que os cientistas possam fazer descobertas que marquem época com o FAST.
Para Rojas, embora com possibilidades de sucesso extremamente remotas e altamente especulativa, a busca por inteligência extraterrestre — conhecida como Seti na sua sigla em inglês — de fato pode ajudar a angariar apoio popular, e recursos governamentais, a projetos astronômicos caros como o FAST, cuja construção foi orçada em US$ 180 milhões (quase R$ 600 milhões). Segundo ele, se o novo radiotelescópio for usado para enviar um sinal omnidirecional, isto é, para todas as direções no céu, com uma potência de 1 gigawatt, cerca de mil vezes mais forte que uma transmissão de TV comum, ele atingiria uma esfera na nossa vizinhança cósmica com um diâmetro de 30 anos-luz, um volume que contém milhares de estrelas e possíveis planetas habitáveis. — Tem um monte de “ses” aí, mas é uma possibilidade — diz.
Possibilidade que também empolga os cientistas chineses:
— O potencial do FAST em descobrir uma civilização alienígena será de cinco a dez vezes maior do que o dos equipamentos atuais, já que ele pode escutar mais longe — aponta Peng Bo, diretor do Laboratório de Tecnologia em Radioastronomia do Observatório Astronômico Nacional da China.
Enquanto os pesquisadores chineses comemoram a conclusão próxima do FAST, porém, muitos cientistas ocidentais estão preocupados com o futuro de Arecibo. Isso porque, no fim de maio passado, a Fundação Nacional de Ciência dos EUA (NSF, na sigla em inglês), principal mantenedora do observatório, deu início a uma série de discussões sobre o que fazer com ele com cinco cenários, entre os quais interromper suas operações ou mesmo desmontá-lo diante de crescentes apertos orçamentários e a necessidade de alocar recursos em outros projetos.
Fonte: O GLOBO
Nenhum comentário:
Postar um comentário