Por CESAR BAIMA
Divulgadas em novembro de 1915, equações que incorporaram a gravidade à estrutura do espaço-tempo tiveram todas suas previsões confirmadas por observações no último século
Às vésperas de completar cem anos, no dia 25, a Teoria da Relatividade Geral não só passou com louvor por todos os testes a que foi submetida até agora, e deverá enfrentar novos em breve, como está cada vez mais presente no dia a dia de pessoas em todo planeta. Sem as equações de campo que incorporaram a gravidade à estrutura do espaço-tempo que Albert Einstein tinha apresentado ao mundo com a chamada Teoria da Relatividade Restrita em 1905, o Sistema de Posicionamento Global (GPS, na sigla em inglês) e outras tecnologias do tipo, usadas por desde pilotos de aviões no céu a capitães em navios nos oceanos e motoristas nas ruas do Rio para saber onde estão e para onde devem ir, seriam inúteis em apenas dois minutos, assim como as dezenas de serviços baseados em geolocalização, como aplicativos de táxi, entregas e mapas em nossos celulares. Isso acontece porque o GPS se baseia em sinais de satélite para determinar a localização de um aparelho na Terra, estando assim sujeito a dois efeitos relativísticos derivados da velocidade e altitude das naves (veja no gráfico acima).
Antes de chegar aos celulares em nossos bolsos, no entanto, não foram poucos os desafios literalmente astronômicos que a Relatividade Geral teve que enfrentar nos últimos cem anos. Logo que foi publicada, ela resolveu um mistério que intrigava os cientistas há mais de dois séculos então, a chamada “precessão do periélio de Mercúrio”. E seu primeiro grande teste público também não tardou a chegar. Uma das consequências da mudança na curvatura do espaço-tempo provocada pela gravidade de objetos maciços é desviar os raios de luz que passam por sua região do espaço. Assim, em 1919, o astrônomo britânico Arthur Eddington e colegas partiram para a ilha de São Tomé e Príncipe, na costa Oeste da África, e a cidade cearense de Sobral para acompanhar um eclipse total do Sol em maio daquele ano. Com o Sol encoberto pela Lua, transformando o dia em noite, seria então possível determinar a posição das estrelas no céu por trás dele. De fato, as medições de Eddington e sua equipe revelaram uma alteração nesta posição condizente com o desvio de seu raio de luz segundo a Relatividade Geral.
BURACOS NEGROS NO CAMINHO
A deformação do espaço-tempo por corpos maciços e o consequente desvio dos raios de luz também é responsável pela formação de objetos astronômicos extremos cuja possível existência desagradou o próprio Einstein, os buracos negros. Ainda em 1915, o astrofísico alemão Karl Schwarzchild decidiu calcular como seria a curvatura do espaço-tempo em torno de um objeto estacionário esférico maciço. De suas contas, as primeiras soluções “exatas” das equações de campo de Einstein — de um tipo conhecido na matemática como “não lineares”, admitindo assim várias “soluções” —, chegou-se à conclusão de que, se um objeto condensasse massa suficiente numa esfera pequena o bastante, essa curvatura seria infinita e nem a luz conseguiria escapar dela, criando uma chamada “singularidade”. Para Einstein, porém, devia haver alguma coisa na física das estrelas que impedisse sua condensação a estes extremos, fazendo deles objetos puramente teóricos, que não existiriam na natureza. Hoje, no entanto, sabe-se não só que os buracos negros existem como estão presentes nos centros de praticamente todas as galáxias.
Esta também não foi a única previsão derivada da Relatividade Geral que desagradou Einstein. Já em 1917, ele aplicou sua teoria ao Universo como um todo, chegando à conclusão de que ele deveria ou estar se expandindo ou contraindo. Como então ainda não havia nenhuma evidência observacional deste tipo de movimento em grande escala do Cosmo, e o consenso científico era de que o Universo era “estático”, Einstein acrescentou um termo a suas equações para atender a esta expectativa, a chamada “constante cosmológica”. Anos depois, quando vários outros teóricos, também usando a Relatividade Geral, demonstraram que o Universo estaria se expandindo, culminando em 1929 com as provas observacionais do astrônomo americano Edwin Hubble de que isso de fato está acontecendo, Einstein passou a ver a constante cosmológica como seu “maior erro”.
Como o Universo que pretende ajudar a explicar, a Relatividade Geral não ficou estática nestes últimos cem anos. Novas descobertas e dados ajudaram a refinar a teoria, embora sua base permaneça essencialmente a mesma, lembra o físico brasileiro Mario Novello, pesquisador emérito do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas:
— Quando uma teoria começa a requerer alterações esdrúxulas para ser compatibilizada com observações, ela demonstra fraqueza. No entanto, se essas alterações sugerem novas propriedades em outros setores, ela pode ser considerada boa e, ao contrário, estar tão sólida que serve para entender outros campos da física. Nos últimos tempos, é isso que tem acontecido com a Relatividade Geral.
Segundo Novello, exemplos disso são a matéria e energia escuras. Ainda nos anos 1930, observações dos movimentos de estrelas em galáxias distantes indicavam que alguns destes astros estavam viajando rápido demais para que apenas a gravidade conjunta de todos objetos visíveis nelas os mantivesse nas suas órbitas. Isso levou os cientistas a teorizarem que algum material invisível, que só interage com o resto do Universo por meio de sua atração gravitacional, estava fazendo este trabalho, cuja natureza permanece desconhecida e ao qual deram o nome de matéria escura.
Já no fim dos anos 1990, novas observações, também de eventos em galáxias distantes, sugeriram que a velocidade de expansão do Universo está se acelerando, contrariando a expectativa de que ela deveria diminuir devido justamente à ação da gravidade tanto da matéria comum quanto da escura. Mais uma vez, os cientistas tiveram que rever seus modelos teóricos, incluindo nas equações um novo termo para justificar o fenômeno, que pode ser visto como uma reintrodução da mal fadada “constante cosmológica”. Esta força ainda mais misteriosa que atuaria apenas em escala cosmológica foi batizada de energia escura.
— Como consequência das dificuldades de conciliar as previsões da Relatividade Geral com os dados observacionais, produziram-se alterações na descrição da física do Cosmo através de artifícios formais como a matéria escura e a energia escura — explica Novello. — Essas características levaram outros campos da física a reexaminarem suas propriedades e isso é positivo, desde que aceitemos como princípio que a Relatividade Geral está correta. Ela ainda é a melhor teoria da gravitação que temos, mas sua alteração está ocorrendo com várias propostas. Algumas são bastante ad hoc; outras, mais fundamentais.
EM BUSCA DAS ONDAS GRAVITACIONAIS
Entre tantas previsões saídas da Relatividade Geral já confirmadas, porém, ainda resta uma última que carece de observação direta, embora talvez não por muito tempo. São as chamadas ondas gravitacionais, perturbações na curvatura do espaço-tempo causadas por eventos cósmicos violentos, como a fusão de dois buracos negros e explosões de supernovas, de forma parecida com as ondas provocadas por uma pedra ao ser atirada em um lago de água parada.
Em setembro passado, os institutos de tecnologia da Califórnia e de Massachusetts (Caltech e MIT, respectivamente) retomaram as buscas por sinais de ondas gravitacionais no projeto Ligo (sigla em inglês para Observatório de Ondas Gravitacionais por Interferometria a Laser), financiado pela Fundação Nacional de Ciência dos EUA (NSF) com o apoio de agências de fomento e instituições de pesquisa de Alemanha, Reino Unido e Austrália. Após cinco anos de obras de melhorias, as duas instalações do projeto, localizadas nos estados americanos de Washington e Louisiana, agora são capazes de detectar variações de até um bilionésimo do diâmetro de um átomo no percurso dos raios de luz por eles gerados — teoricamente pela passagem de ondas gravitacionais que esticam e encolhem o espaço-tempo como nos picos e vales de ondas eletromagnéticas comuns.
Segundo os cientistas, o aumento da sensibilidade dos observatórios do projeto, agora denominado Advanced Ligo, em teoria permitirá que detectem ondas gravitacionais produzidas por eventos a até 225 milhões de anos-luz de distância da Terra, mais do triplo dos 65 milhões da fase anterior da busca — que entre 2002 e 2010 não encontrou nenhum sinal delas —, cobrindo um volume do Universo 27 vezes superior. Mas, apesar do otimismo dos cientistas de que agora sim nossa tecnologia alcançou um nível capaz de provar a existência das ondas gravitacionais, Novello alerta que isso talvez exija observatórios ainda mais sensíveis.
— Há 40 anos ouço que na próxima década vamos detectar as ondas gravitacionais e até agora nada — diz. — As ondas gravitacionais e suas características só podem ser examinadas a partir de ondas que existem, se existem, no Universo. Não posso produzir ondas gravitacionais controladas em laboratório. Pode ser que o tamanho e a dinâmica das ondas gravitacionais não sejam as que estamos esperando, e por isso experimentos como o Ligo podem não observá-las.
Fonte: O Globo edição de 07/ 11/2015
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