Cairo e Moscou rejeitam alegação do grupo de ter derrubado voo russo no Egito, com morte de 224 pessoas
CAIRO- Com familiares ainda em choque pela queda não esclarecida de um avião russo com 224 passageiros e tripulantes na Península do Sinai, autoridades da Rússia e do Egito se dividem entre o luto e a cautela na investigação do já considerado maior acidente aéreo na história da aviação russa. O braço egípcio do Estado Islâmico afirma ter abatido a aeronave da companha Kogalymavia, conhecida como Metrojet. A versão, porém, é contestada por autoridades egípcias e russas — que trabalham com a hipótese de falha técnica — e por especialistas, que duvidam que os jihadistas tenham armamento capaz de abater a aeronave em voo.
O Airbus 321, com 18 anos de atividade, perdeu contato com os radares 23 minutos depois de deixar o balneário de Sharm el-Sheikh, no Mar Vermelho, com destino a São Petersburgo. Sobrevoava uma região montanhosa da Península do Sinai, lotado com turistas russos — entre eles, 17 crianças — quando, por volta de 6h30m, hora local, perdeu contato com controladores de tráfego aéreo.
O Estado Islâmico assumiu a responsabilidade pelo acidente em suas contas no Twitter: “Soldados do califado conseguiram abater um avião russo que sobrevoava a Península do Sinai, e todos morreram”. Na rede social, afirmaram ter agido em represália “às dezenas de mortes causadas diariamente pelos bombardeios” dos aviões russos na Síria.
Os destroços foram encontrados na região de Hasana, 70 quilômetros ao sul de El-Arish, onde forças de segurança egípcia combatem a milícia Província do Sinai do Estado Islâmico, ligada ao grupo extremista. Mas a reivindicação de um suposto atentado pelo EI intriga especialistas.
Nunca se registrou que milicianos no Norte do Sinai tenham derrubado aviões comerciais. Os mísseis terra-ar em posse de rebeldes, estima-se, têm alcance máximo de seis mil metros de altitude — o avião da Metrojet voava a pelo menos 9.400 metros. Não se descarta, porém, a possibilidade de que houvesse uma bomba a bordo, ou que o avião tivesse sido atingido por um míssil após perder altitude por alguma falha técnica.
‘FOGO NA TURBINA’
Para o ministro do Transporte russo, Maksim Sokolov, a declaração do EI “não é confiável”.
— Estamos em intenso contato com nossos colegas egípcios e autoridades aéreas do país. No momento, não temos nenhuma informação que confirme essas insinuações — afirmou.
O primeiro-ministro do Egito, Sherif Ismail, afirmou que é impossível determinar a causa do acidente até que as caixas-pretas sejam examinadas, mas disse acreditar que não há atividades “irregulares” por trás do acidente.
— Eles (o EI) podem comunicar o que quiserem, mas não há nenhuma prova de que terroristas tenham sido responsáveis por este desastre. Vamos conhecer as verdadeiras razões quando a Autoridade de Aviação Civil, em coordenação com as autoridades russas, concluírem a investigação — acrescentou o porta-voz do Exército egípcio, Mohamed Samir.
As caixas-pretas da aeronave russa foram recuperadas e serão analisadas por especialistas. Investigadores também buscam pistas na última parada da aeronave para reabastecer combustível, na cidade russa de Samara. Testemunhas citadas pela imprensa egípcia afirmam ter visto uma turbina em chamas no momento da queda.
Já o ministro dos Transportes egípcio, Hossam Kamal, negou relatos anteriores de que o piloto teria informado falhas técnicas.
— A comunicação entre o piloto e a torre de controle aéreo foi normal, sem sinais de problemas. O piloto não pediu para mudar a rota nem fazer pouso de emergência. Tudo estava normal. O avião desapareceu de repente do radar, sem nenhum aviso prévio — disse Kamal em entrevista coletiva transmitida em rede nacional.
Segundo o site Flightradar24, que monitora o tráfego aéreo em todo o mundo, o avião registrou uma descida a uma velocidade de 1.800 metros de queda de altitude por minuto antes de desaparecer do radar.
KLM E LUFTHANSA SUSPENDEM VOOS SOBRE SINAI
A fama da Metrojet entre alguns passageiros aumenta a complexidade da investigação. Nas redes sociais russas, são frequentes reclamações sobre o estado dos aviões — entre elas, relatos de janela remendada com fita adesiva e de um passageiro que embarcou para a Turquia num assento sem cinto de segurança. Em 2011, o tanque de combustível de um avião da empresa explodiu antes de decolar da cidade siberiana de Surgut, causando quatro mortes.
Ontem, a companhia área emitiu uma nota na qual descartou falha humana e elogiou a experiência de seus pilotos. Segundo a Metrojet, a aeronave estava em boas condições. Como precaução, a companhia aérea francesa Air France e a alemã Lufthansa anunciaram a suspensão temporária dos voos sobre a Península do Sinai.
Até o momento, ao menos 129 corpos foram recuperados — a maioria incinerados, muitos ainda com os cintos de segurança colocados — e levados ao Cairo. Segundo as equipes de resgate, o avião foi partido pela metade, e os corpos foram encontrados num raio de cinco quilômetros.
“Todos os passageiros morreram”, confirmou nas redes sociais a embaixada russa no Cairo. Havia a bordo 214 russos e três ucranianos, além de sete tripulantes. As idades dos passageiros variavam entre 10 meses e 77 anos.
O presidente egípcio, Abdel Fatah al-Sisi, prestou condolências por telefone a Vladimir Putin. O presidente russo, por sua vez, declarou dia de luto e ordenou assistência imediata às famílias das vítimas, que lotaram o aeroporto de Pulkovo, em São Petersburgo, destino original da aeronave. Putin também pediu a abertura de uma investigação sobre o desastre e enviou o ministro dos Transportes ao Egito.
Nos bastidores, especula-se que possíveis ameaças à aviação civil são de particular interesse da Rússia, que já se viu envolvida em acusações de ligação com os separatistas que derrubaram o avião MH17, da Malaysia Airlines, em julho do ano passado, com 298 passageiros a bordo, no Leste da Ucrânia. Do lado egípcio, o último acidente aéreo registrado aconteceu em 2004, e deixou 148 mortos, a maioria turistas.
Quase três milhões de turistas russos — praticamente um terço dos visitantes totais de 2014 — visitam o Egito por ano, principalmente os complexos hoteleiros do Mar Vermelho.
— Ainda é muito cedo para medir o impacto que o desastre terá no turismo — minimizou o porta-voz do Ministério do Turismo egípcio, Rasha Azazi.
Fonte: O Globo edição 01/11/2015
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