quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Metrópoles da Violência

Por Henrique Gomes Batista

Grandes cidades contrariam tendência geral de queda no país e preocupam autoridades






WASHINGTON- Contrariando a lógica, a violência tem crescido em grandes cidades dos Estados Unidos, apesar do avanço econômico que o país vive. O fenômeno tem ocorrido em todos os cantos da nação e começa a preocupar as autoridades. Há, segundo especialistas, o risco de que isso se torne uma tendência, revertendo a redução de casos graves, como assassinatos, que vigorou nas últimas duas décadas. O próprio governo federal demonstra preocupação, conforme expôs o presidente Barack Obama na terça-feira passada.Os números impressionam. A quantidade de assassinatos no acumulado até o dia 30 de outubro deste ano em Baltimore (Maryland) cresceu 69,7% sobre período igual do ano passado. 

Em Washington, o crescimento foi de 48,9%. Até em Nova York, considerada por muitos um exemplo de segurança com a política de tolerância zero, os homicídios cresceram 5,9% neste ano. E isso não está concentrado na Costa Oeste do país. Nova Orleans, no Sul, sofre com o aumento de 29,5% dos homicídios no primeiro semestre sobre igual período de 2014. No Centro, o mesmo se repete em Milwaukee (Wisconsin, com alta de 53,1%) e Chicago (incremento de 14,6%). E na Costa Leste, Los Angeles viu o total de assassinatos subir 12,9%.

O grande questionamento entre as autoridades e especialistas é entender a causa do fenômeno e evitar que se torne uma tendência. Desde meados dos anos 90, os homicídios têm diminuído. Muitos esperam, inclusive, que o número total de assassinatos feche 2015 em patamar inferior a 2014, impactado pelos números das pequenas cidades, mas o dado geral encobre a situação dos grandes centros.


TENSÃO RACIAL E VIOLÊNCIA POLICIAL

Andrew Papachristos, professor da Universidade de Yale especializado na área criminal, lembra que a economia por si só não ajuda a explicar, sozinha, o crescimento de homicídios em algumas cidades. Ele está entre os que defendem que é necessário esperar um pouco mais antes de ver uma tendência.

— Há uma relação complicada entre a economia e o crime, que continuou a sua tendência descendente nos EUA mesmo nos anos da recente recessão. É verdade que as taxas de criminalidade são mais altas nas comunidades mais desfavorecidas, mas não é preciso dizer que as taxas de criminalidade e pobreza oscilam em sincronia — disse.

Na terça-feira, ao discursar durante o encontro da Associação Internacional dos Chefes de Polícia, o presidente americano afirmou que vai incrementar o orçamento para o setor:

— É verdade que em algumas cidades, inclusive aqui na minha Chicago, a violência armada e homicídios têm crescido. Mas o fato é que, até agora pelo menos, em todo o país os dados mostram que ainda estamos desfrutando historicamente baixas taxas de crimes violentos.

Os especialistas dizem que há historicamente quatro pontos que afetam a criminalidade nos EUA: situação econômica, tensão racial, violência policial e drogas. Entender o impacto de cada variável é fundamental para evitar que estes problemas cresçam. E, provavelmente, a resposta não é simples e não está em um ponto isolado. 

A violência policial é a que está em maior evidência, já que o país vive uma série de confrontos. A Anistia Internacional iniciou neste ano uma campanha contra o abuso fardado. De acordo com a entidade, casos de mortes de suspeitos por policiais mostraram que há, em muitos estados, um descontrole sobre o uso da força. “A Anistia Internacional se preocupa se as leis estaduais sobre o uso de força letal por policiais estão de acordo com as normas internacionais e apela a todos os estados para analisar e rever o uso de força letal”, afirma a instituição.

Richard Rosenfeld, pesquisador da Universidade do Missouri, analisou o que ocorreu em St. Louis após o caso Ferguson — quando a polícia matou o jovem negro Michael Brown, gerando uma onda de protestos. Ele detectou que é possível ver que a violência estatal gera maior número de casos de homicídios. Mas é cauteloso ao avaliar todo o cenário:

— Mesmo assim, a taxa de homicídios em St. Louis em 2014 permaneceu bem abaixo dos níveis atingidos no início de 1990 — ponderou.


DESEMPREGO MAIOR ENTRE NEGROS

A questão racial, contudo, é a que mais se relaciona com os demais temas. Em Baltimore, segundo levantamento do jornal “Baltimore Sun”, mais de 90% das vítimas de homicídio neste ano são negras, apesar de representarem 64% da população. Os brancos, que são 31% da população da cidade, eram somente 5% dos assassinados. Da mesma forma, a maior parte das vítimas policiais eram negras.
Jens Ludwig, diretor do Crime Lab da Universidade de Chicago, lembra que num estudo do laboratório entre jovens de 15 a 24 anos, a taxa de homicídios foi cerca de 18 vezes maior para negros do que para brancos. Os homens negros de todas as idades têm seis vezes mais probabilidade que os brancos de serem presos. Este grupo também é mais suscetível às novas gangues, concentradas nas grandes cidades e na venda de drogas pesadas. Neste ponto, entra um pouco da explicação econômica do fenômeno: apesar de, no geral, a taxa de desemprego nos EUA ser a mais baixa desde o governo Clinton (1993-2001), para homens negros é o dobro da registrada para brancos.


Fonte: O Globo, edição de 04 de novembro de 2015  


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