Por Henrique Gomes Batista
Grandes cidades contrariam tendência geral de queda no país e preocupam autoridades
WASHINGTON- Contrariando a lógica, a violência tem crescido em
grandes cidades dos Estados Unidos, apesar do avanço econômico que o país vive.
O fenômeno tem ocorrido em todos os cantos da nação e começa a preocupar as
autoridades. Há, segundo especialistas, o risco de que isso se torne uma
tendência, revertendo a redução de casos graves, como assassinatos, que vigorou
nas últimas duas décadas. O próprio governo federal demonstra preocupação,
conforme expôs o presidente Barack Obama na terça-feira passada.Os números impressionam. A quantidade de assassinatos no acumulado
até o dia 30 de outubro deste ano em Baltimore (Maryland) cresceu 69,7% sobre
período igual do ano passado.
Em Washington, o crescimento foi de 48,9%. Até em
Nova York, considerada por muitos um exemplo de segurança com a política de tolerância
zero, os homicídios cresceram 5,9% neste ano. E isso não está concentrado na
Costa Oeste do país. Nova Orleans, no Sul, sofre com o aumento de 29,5% dos
homicídios no primeiro semestre sobre igual período de 2014. No Centro, o mesmo
se repete em Milwaukee (Wisconsin, com alta de 53,1%) e Chicago (incremento de
14,6%). E na Costa Leste, Los Angeles viu o total de assassinatos subir 12,9%.
O grande questionamento
entre as autoridades e especialistas é entender a causa do fenômeno e evitar
que se torne uma tendência. Desde meados dos anos 90, os homicídios têm
diminuído. Muitos esperam, inclusive, que o número total de assassinatos feche
2015 em patamar inferior a 2014, impactado pelos números das pequenas cidades,
mas o dado geral encobre a situação dos grandes centros.
TENSÃO RACIAL E VIOLÊNCIA
POLICIAL
Andrew Papachristos,
professor da Universidade de Yale especializado na área criminal, lembra que a
economia por si só não ajuda a explicar, sozinha, o crescimento de homicídios
em algumas cidades. Ele está entre os que defendem que é necessário esperar um
pouco mais antes de ver uma tendência.
— Há uma relação complicada
entre a economia e o crime, que continuou a sua tendência descendente nos EUA
mesmo nos anos da recente recessão. É verdade que as taxas de criminalidade são
mais altas nas comunidades mais desfavorecidas, mas não é preciso dizer que as
taxas de criminalidade e pobreza oscilam em sincronia — disse.
Na terça-feira, ao
discursar durante o encontro da Associação Internacional dos Chefes de Polícia,
o presidente americano afirmou que vai incrementar o orçamento para o setor:
— É verdade que em algumas
cidades, inclusive aqui na minha Chicago, a violência armada e homicídios têm
crescido. Mas o fato é que, até agora pelo menos, em todo o país os dados
mostram que ainda estamos desfrutando historicamente baixas taxas de crimes
violentos.
Os especialistas dizem que
há historicamente quatro pontos que afetam a criminalidade nos EUA: situação
econômica, tensão racial, violência policial e drogas. Entender o impacto de
cada variável é fundamental para evitar que estes problemas cresçam. E,
provavelmente, a resposta não é simples e não está em um ponto isolado.
A violência policial é a
que está em maior evidência, já que o país vive uma série de confrontos. A
Anistia Internacional iniciou neste ano uma campanha contra o abuso fardado. De
acordo com a entidade, casos de mortes de suspeitos por policiais mostraram que
há, em muitos estados, um descontrole sobre o uso da força. “A Anistia
Internacional se preocupa se as leis estaduais sobre o uso de força letal por
policiais estão de acordo com as normas internacionais e apela a todos os
estados para analisar e rever o uso de força letal”, afirma a instituição.
Richard Rosenfeld,
pesquisador da Universidade do Missouri, analisou o que ocorreu em St. Louis
após o caso Ferguson — quando a polícia matou o jovem negro Michael Brown,
gerando uma onda de protestos. Ele detectou que é possível ver que a violência
estatal gera maior número de casos de homicídios. Mas é cauteloso ao avaliar
todo o cenário:
— Mesmo assim, a taxa de
homicídios em St. Louis em 2014 permaneceu bem abaixo dos níveis atingidos no
início de 1990 — ponderou.
DESEMPREGO MAIOR ENTRE
NEGROS
A questão racial, contudo,
é a que mais se relaciona com os demais temas. Em Baltimore, segundo
levantamento do jornal “Baltimore Sun”, mais de 90% das vítimas de homicídio
neste ano são negras, apesar de representarem 64% da população. Os brancos, que
são 31% da população da cidade, eram somente 5% dos assassinados. Da mesma
forma, a maior parte das vítimas policiais eram negras.
Jens Ludwig, diretor do
Crime Lab da Universidade de Chicago, lembra que num estudo do laboratório
entre jovens de 15 a 24 anos, a taxa de homicídios foi cerca de 18 vezes maior
para negros do que para brancos. Os homens negros de todas as idades têm seis
vezes mais probabilidade que os brancos de serem presos. Este grupo também é
mais suscetível às novas gangues, concentradas nas grandes cidades e na venda
de drogas pesadas. Neste ponto, entra um pouco da explicação econômica do
fenômeno: apesar de, no geral, a taxa de desemprego nos EUA ser a mais baixa
desde o governo Clinton (1993-2001), para homens negros é o dobro da registrada
para brancos.
Fonte: O Globo, edição de 04 de novembro de 2015
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