A derruba da de um caça russo SU-24 pela Força Aérea da Turquia, no início da semana, foi mais que um incidente diplomático a realçar a complexa realidade geopolítica do Oriente Médio. A ação mostra que a região é hoje a maior ameaça à paz mundial, devido a conflitos de interesses em escalas local, regional e global. Segundo a Turquia, o jato russo invadiu o espaço aéreo turco na fronteira com a Síria e foi alertado dez vezes antes de ser abatido. Moscou contesta a versão, afirmando que seus pilotos voavam em território sírio.
Seja como for, Moscou não pode alegar que foi pego de surpresa. Desde que a Rússia iniciou os bombardeios na Síria, há dois meses, inúmeros foram os alertas da coalizão liderada pelos EUA que luta contra o Estado Islâmico (ISIS): os ataques russos poderiam gerar este tipo de incidente. O mesmo alerta foi feito pelo presidente turco, Recep Tayyip Erdogan. Além da defesa de seu território, Ancara tem outras razões para retaliar, uma vez que boa parte dos insurgentes sírios sob bombardeio possui laços étnicos com os turcos.
Apesar da retórica contra o terror, a Rússia vem priorizando alvos rebeldes sírios em vez dos extremistas do ISIS, mesmo após o grupo assumir a derrubada de um Airbus da companhia russa Metrojet no Sinai, no fim de outubro, e os atentados de Paris, no último dia 13. Isso se explica não só pela aliança estratégica entre Vladimir Putin e o ditador sírio, Bashar al-Assad, mas também pelos vínculos que Moscou mantém com Teerã. Assad, alauita, um sub-ramo do xiismo, tem o apoio dos aiatolás xiitas do Irã e do grupo libanês Hezbollah.
Em retaliação à derrubada de seu caça, Moscou adotou sanções contra Damasco. Convênios comerciais, tecnológicos e culturais foram suspensos. Além disso, 39 executivos turcos, em viagem de negócios, foram detidos em Moscou na quarta-feira por terem entrado no país com vistos de turismo. O primeiro-ministro russo, Dmitri Medvedev, vai anunciar hoje um pacote de sanções econômicas.
Por trás dessas escaramuças, escondem-se estratégias que tornam a guerra civil síria ainda mais um inferno sem fim, tendo como consequência a crise humanitária dos refugiados em êxodo para a Europa. Tanto Rússia como Turquia têm ambições de se tornarem atores regionais influentes, qualquer que seja o desfecho dos conflitos na região, e a sorte de Assad. É bom que comecem por demonstrar que estão à altura da tarefa, buscando uma solução diplomática, que permita a todos se concentrar na luta contra o inimigo comum: o Estado Islâmico.
Fonte: O Globo
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