quinta-feira, 29 de outubro de 2015

AS VIÚVAS DE BORNO

  
Por BERNARDO TABAK                

Exército resgata 338 reféns do Boko Haram; mulheres que perderam maridos são mais vulneráveis  


  

As Forças Armadas da Nigéria anunciaram ontem que 338 pessoas, sequestradas pelo grupo fundamentalista islâmico Boko Haram, foram resgatadas de acampamentos nas aldeias de Bulajilin e Manawashe, próximas à Floresta de Sambisa, bastião dos extremistas no estado de Borno, Noroeste do país. Ao mesmo tempo, pelo menos 14 civis foram mortos num ataque dos radicais na cidade de Ala, na região de Diffa, no Sudeste do Níger, fronteira com a Nigéria. Foram mais dois episódios do conflito, que ocorre desde 2009, em que a violência já deixou pelo menos 17 mil mortos e levou mais de dois milhões de pessoas a fugirem de casa. Entre estes deslocados pela violência, estão milhares de viúvas, sobreviventes dos ataques extremistas e que, segundo o Comitê Internacional da Cruz Vermelha na Nigéria (CICV), estão entre os grupos sociais mais desamparados afetados pelo conflito, devido à precária condição socioeconômica.

O delegado do CICV no país, Jesús Serrano Redondo, chegou há nove meses à Nigéria. Segundo ele, as mortes dos maridos de mais de sete mil mulheres inscritas nas associações de viúvas cristãs e muçulmanas estão relacionadas ao conflito entre o Boko Haram e o Exército nigeriano. Em Borno, o islamismo é a principal religião e, culturalmente, os homens são responsáveis pelo sustento e proteção das esposas. Segundo Serrano, a perda do marido é o fim do esteio econômico.

— As viúvas são um dos vetores sociais mais vulneráveis. Quando seus companheiros são mortos, elas perdem também os meios para pagar alimentação, moradia, saúde e educação — explica Serrano ao GLOBO, da Nigéria.

De acordo com o CICV, dos cerca de dois milhões de deslocados internos, 1,5 milhão rumaram para Maiduguri, capital de Borno.

— Tornou-se uma cena cotidiana ver mulheres em situação de mendicância pelas ruas. Outras tentam sobreviver vendendo pastéis de feijão frito (kosai) ou chapéus típicos, que elas próprias costuram, e rendem cerca de 500 nairas cada um (R$9) — conta Serrano. 


NÚMERO DE VIÚVAS TENDE A AUMENTAR


O marido de Memuna Ihaka morreu há dois anos, quando tentava fugir de um conflito entre o Boko Haram e os militares.

— Meus quatro filhos e eu não pudemos sequer ver o corpo. Acabei sabendo da morte dele pelos relatos de testemunhas — recorda, com a voz embargada, Memuna, viúva aos 25 anos.

Além da assistência humanitária básica, onde, somente neste ano, a Cruz Vermelha já forneceu água, alimentos e itens de primeira necessidade a cerca de 300 mil pessoas, desde 2013 o CICV colabora com a Associação das Viúvas Muçulmanas no Estado de Borno. O objetivo é amenizar a crise humanitária instalada nesta região da Nigéria.

— A maioria das famílias das viúvas costumava ter três refeições por dia, quando os maridos estavam vivos. Nós sabemos que elas estão lutando agora para terem uma refeição diária para toda a família — ressalta a secretária da associação das viúvas, Aishatu Maaji. — Também é difícil para elas encontrarem um emprego, porque a maioria tem muito pouca educação formal.

Além de tentar suprir as necessidades básicas, o CICV ajuda viúvas que buscam trabalho a iniciarem um negócio, através de uma iniciativa de microcrédito, na qual recebem orientação e 40 mil nairas (R$ 770) para comprar materiais e iniciar os projetos. Mas, enquanto o esforço das entidades busca devolver sua dignidade, segundo a Cruz Vermelha, o número de viúvas tende a aumentar enquanto o conflito prosseguir.

Ontem, o porta-voz militar nigeriano, Sani Usman, informou que “as pessoas resgatadas foram oito homens, 138 mulheres e 192 crianças”, acrescentando que 30 extremistas foram mortos na ação, além de terem sido apreendidas armas e munições. Ele também informou que uma emboscada militar matou quatro suspeitos que planejavam ataques suicidas na cidade de Gubula, estado de Adamawa.

Enquanto isso, o Parlamento do vizinho Níger aprovou uma lei prolongando o estado de emergência de 15 dias, que havia sido decretado em Diffa, por mais três meses, numa tentativa de aumentar a segurança na região.

— Ao todo, 14 pessoas foram assassinadas a tiros, além de outras três ficarem feridas, durante um ataque do Boko Haram — afirmou o presidente do Conselho Regional de Diffa, Malam Ligari.

O Boko Haram também tem organizado ataques em Camarões e no Chade. De acordo com a Anistia Internacional, apenas neste ano, o grupo sequestrou pelo menos duas mil mulheres e meninas na Nigéria. Em abril de 2014, o sequestro de mais de 270 estudantes na cidade de Chibok provocou forte comoção mundial, que resultou na campanha #BringBackOurGirls (#TragamDeVoltaNossasGarotas). O atual presidente da Nigéria, Muhammadu Buhari, assumiu em maio com a promessa de destruir o Boko Haram, e deu a seus generais até o fim de dezembro para derrotar os extremistas. Entretanto, desde a posse de Buhari, mais de 1,4 mil pessoas foram mortas pelo grupo — 170 apenas neste mês de outubro.


Fonte: O GLOBO de 29/10/2015

Nenhum comentário:

Postar um comentário