Por Rasheed Abou-Alsamh
Quatro anos e meio depois do início da revolta popular contra a
ditadura sangrenta do presidente sírio Bashar alAssad — que começou como
protestos pacíficos contra o regime —, estamos vendo a tragédia humanitária de
milhares de sírios arriscando suas vidas para fugir para a Europa. Com 250 mil
já mortos na Síria por todos os lados, mais de quatro milhões de refugiados fora
do país e mais de dez milhões deslocados internamente, a catástrofe da matança
está longe do fim.
Marcelo |
Em vez de clamar para que se pressione o regime de Assad no sentido de
negociar um cessar-fogo e uma transição para um novo governo sem ele, e assim
tirar a razão principal para esse êxodo sem precedente de refugiados para a
Europa, os críticos de plantão, a maioria islamofóbicos e com inveja das nações
árabes ricas, resolveram apontar o dedo para os países do Golfo por supostamente
não terem aceitado refugiados sírios. A Anistia Internacional publicou um mapa
do Oriente Médio na internet mostrando quantos refugiados cada país da região
tinha aceitado. O minúsculo Líbano tem mais de 1,1 milhão; a Turquia, quase dois
milhões; a Jordânia, quase 700 mil. Nos países do Golfo, botou “zero” para cada
um. A verdade é um pouco mais complicada do que esse reducionismo, bom para
enraivecer a opinião publica ocidental mas que não conta a história verdadeira.
A verdade é que nenhum dos países do Golfo assinou a convenção para
refugiados da ONU, de 1951, que define quem é considerado um refugiado e
estabelece regras de como eles devem ser tratados e protegidos. Por isso, esses
países não têm uma categoria de vistos para refugiados e nem programas oficiais
para lidar com esse tipo de problema. Com certeza, eles deveriam assinar a
convenção e instituir vistos para refugiados. Isso facilitaria em muito a
entrada deles nos países do Golfo e ajudaria os governos a monitorá-los e
garantir que suas necessidades básicas fossem atendidas.
O governo da Arábia Saudita reagiu lentamente às acusações, e o Ministério de
Relações Exteriores finalmente divulgou uma nota oficial em inglês em seu site,
no dia 13 de setembro, dizendo que o reino tinha acolhido aproximadamente 2,5
milhões de sírios desde 2011. “Para assegurar a dignidade e a segurança deles, o
reino adotou uma política que não os trata como refugiados e nem os bota em
campos para refugiados,” disse o governo. “A eles foi dada a liberdade de
movimentação dentro do país, e àqueles que queriam ficar aqui (umas centenas de
milhares) foi dado o status de residentes legais, com o direito de receber
tratamento médico gratuiro, entrar no mercado de trabalho e ingressar em escolas
e universidades. Isso foi incluído num decreto real de 2012, que instruiu
escolas públicas a aceitaram estudantes sírios. Segundo dados oficiais, o
sistema de ensino público já aceitou mais de cem mil estudantes sírios.”
Além disso, o governo saudita lembrou que já deu US$ 700 milhões em ajuda
financeira a refugiados sírios, principalmente aqueles no campo de Zaatari, na
Jordânia. Essa ajuda humanitária incluiu o fornecimento de comida, material para
alojamentos, tratamento médico em clínicas sauditas nos campos de refugiados e o
pagamento do aluguel de um grande número de famílias sírias no Líbano e na
própria Síria.
O jornalista saudita Jamal Khashoggi, em uma coluna de opinião no jornal
“Al-Hayat”, disse que os refugiados sírios estavam indo para a Europa em massa
porque querem fincar raízes em países onde podem se tornar cidadãos e ter uma
vida boa. “A Arábia Saudita pode receber mais sírios, como alguns países
europeus e organizações de direitos humanos estão ingênua ou maliciosamente
exigindo,” ele escreveu. “Contudo, os sírios não querem ir para a Arábia Saudita
como refugiados. Eles já tiveram o suficiente ao viver em campos de
refugiados... e enquanto nós não lhes dermos seu país de volta, eles vão
continuar a viajar em busca de um país onde eles possam construir um futuro, e a
Arábia Saudita e os países do Golfo não podem lhes oferecer esta opção.”
Khashoggi defende que os países do Golfo já têm trabalhadores estrangeiros
demais nas suas populações, especialmente os Emirados Árabes e o Qatar, onde os
estrangeiros são mais numerosos do que os nativos numa proporção de cinco por
um. Ele também diz que as economias do Golfo estão tendo dificuldade em achar
empregos suficientes para todos os seus próprios cidadãos que precisam
trabalhar. Isso é um problema sério na Arábia Saudita, onde o governo há anos
tem um programa de nacionalização do mercado de trabalho, que, contudo, encontra
muita resistência do setor privado. Este prefere contratar estrangeiros com
salários mais baixos e que trabalham mais.
Em vez de pressionar Assad a negociar um cessar-fogo permanente
na Síria, seus aliados, os russos e os iranianos, estão intensificando sua ajuda
militar para apoiar um regime brutal, que continua matando centenas de sírios
toda semana com ataques cruéis, usando bombas de barril lançadas de
helicópteros. Agora, temos o apoio russo à expansão de uma base aérea militar em
Latakia, na Síria, um reduto alauita do regime. Tal apoio é crucial para que
Assad continue a acreditar que ele pode permanecer no poder, mesmo que somente
numa parte reduzida da antiga Síria. Enquanto isso, o Estado Islâmico continua
ocupando grande parte do norte e leste do país. E são os pobres civis sírios que
continuam presos entre os dois lados. É uma lástima que poderia ter sido contida
já faz muito tempo.
Rasheed Abou-Alsamh é jornalista
Fonte: O Globo. Edição de 18/09/2015
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