domingo, 25 de outubro de 2015

ESQUECEMOS QUE ASSAD É A MAIOR RAZÃO DO ÊXODO DE SÍRIOS

Por Rasheed Abou-Alsamh

 
 
Quatro anos e meio depois do início da revolta popular contra a ditadura sangrenta do presidente sírio Bashar alAssad — que começou como protestos pacíficos contra o regime —, estamos vendo a tragédia humanitária de milhares de sírios arriscando suas vidas para fugir para a Europa. Com 250 mil já mortos na Síria por todos os lados, mais de quatro milhões de refugiados fora do país e mais de dez milhões deslocados internamente, a catástrofe da matança está longe do fim.
 
 
 
Marcelo



Em vez de clamar para que se pressione o regime de Assad no sentido de negociar um cessar-fogo e uma transição para um novo governo sem ele, e assim tirar a razão principal para esse êxodo sem precedente de refugiados para a Europa, os críticos de plantão, a maioria islamofóbicos e com inveja das nações árabes ricas, resolveram apontar o dedo para os países do Golfo por supostamente não terem aceitado refugiados sírios. A Anistia Internacional publicou um mapa do Oriente Médio na internet mostrando quantos refugiados cada país da região tinha aceitado. O minúsculo Líbano tem mais de 1,1 milhão; a Turquia, quase dois milhões; a Jordânia, quase 700 mil. Nos países do Golfo, botou “zero” para cada um. A verdade é um pouco mais complicada do que esse reducionismo, bom para enraivecer a opinião publica ocidental mas que não conta a história verdadeira.

A verdade é que nenhum dos países do Golfo assinou a convenção para refugiados da ONU, de 1951, que define quem é considerado um refugiado e estabelece regras de como eles devem ser tratados e protegidos. Por isso, esses países não têm uma categoria de vistos para refugiados e nem programas oficiais para lidar com esse tipo de problema. Com certeza, eles deveriam assinar a convenção e instituir vistos para refugiados. Isso facilitaria em muito a entrada deles nos países do Golfo e ajudaria os governos a monitorá-los e garantir que suas necessidades básicas fossem atendidas.
 

O governo da Arábia Saudita reagiu lentamente às acusações, e o Ministério de Relações Exteriores finalmente divulgou uma nota oficial em inglês em seu site, no dia 13 de setembro, dizendo que o reino tinha acolhido aproximadamente 2,5 milhões de sírios desde 2011. “Para assegurar a dignidade e a segurança deles, o reino adotou uma política que não os trata como refugiados e nem os bota em campos para refugiados,” disse o governo. “A eles foi dada a liberdade de movimentação dentro do país, e àqueles que queriam ficar aqui (umas centenas de milhares) foi dado o status de residentes legais, com o direito de receber tratamento médico gratuiro, entrar no mercado de trabalho e ingressar em escolas e universidades. Isso foi incluído num decreto real de 2012, que instruiu escolas públicas a aceitaram estudantes sírios. Segundo dados oficiais, o sistema de ensino público já aceitou mais de cem mil estudantes sírios.”
 

Além disso, o governo saudita lembrou que já deu US$ 700 milhões em ajuda financeira a refugiados sírios, principalmente aqueles no campo de Zaatari, na Jordânia. Essa ajuda humanitária incluiu o fornecimento de comida, material para alojamentos, tratamento médico em clínicas sauditas nos campos de refugiados e o pagamento do aluguel de um grande número de famílias sírias no Líbano e na própria Síria.
 

O jornalista saudita Jamal Khashoggi, em uma coluna de opinião no jornal “Al-Hayat”, disse que os refugiados sírios estavam indo para a Europa em massa porque querem fincar raízes em países onde podem se tornar cidadãos e ter uma vida boa. “A Arábia Saudita pode receber mais sírios, como alguns países europeus e organizações de direitos humanos estão ingênua ou maliciosamente exigindo,” ele escreveu. “Contudo, os sírios não querem ir para a Arábia Saudita como refugiados. Eles já tiveram o suficiente ao viver em campos de refugiados... e enquanto nós não lhes dermos seu país de volta, eles vão continuar a viajar em busca de um país onde eles possam construir um futuro, e a Arábia Saudita e os países do Golfo não podem lhes oferecer esta opção.”
 

Khashoggi defende que os países do Golfo já têm trabalhadores estrangeiros demais nas suas populações, especialmente os Emirados Árabes e o Qatar, onde os estrangeiros são mais numerosos do que os nativos numa proporção de cinco por um. Ele também diz que as economias do Golfo estão tendo dificuldade em achar empregos suficientes para todos os seus próprios cidadãos que precisam trabalhar. Isso é um problema sério na Arábia Saudita, onde o governo há anos tem um programa de nacionalização do mercado de trabalho, que, contudo, encontra muita resistência do setor privado. Este prefere contratar estrangeiros com salários mais baixos e que trabalham mais.
 

Em vez de pressionar Assad a negociar um cessar-fogo permanente na Síria, seus aliados, os russos e os iranianos, estão intensificando sua ajuda militar para apoiar um regime brutal, que continua matando centenas de sírios toda semana com ataques cruéis, usando bombas de barril lançadas de helicópteros. Agora, temos o apoio russo à expansão de uma base aérea militar em Latakia, na Síria, um reduto alauita do regime. Tal apoio é crucial para que Assad continue a acreditar que ele pode permanecer no poder, mesmo que somente numa parte reduzida da antiga Síria. Enquanto isso, o Estado Islâmico continua ocupando grande parte do norte e leste do país. E são os pobres civis sírios que continuam presos entre os dois lados. É uma lástima que poderia ter sido contida já faz muito tempo.
 
 
 
Rasheed Abou-Alsamh é jornalista
 
Fonte: O Globo. Edição de 18/09/2015

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