-SAN BERNARDINO, EUA- As investigações sobre a chacina realizada na quarta-feira, na cidade de San Bernardino, no Sul da Califórnia, apontam para um possível caso de terrorismo cometido pelo casal identificado como Syed Rizwan Farook, de 28 anos, e Tashfeen Malik, 27. Apesar de oficialmente o FBI (a polícia federal dos Estados Unidos) afirmar não ser ainda possível confirmar a motivação do crime, agentes explicaram que a possibilidade foi levantada após evidências de que ele esteve em contato, durante vários anos, com extremistas islâmicos dentro e fora dos Estados Unidos. Além disso, um arsenal com mais de cinco mil cartuchos para pistolas, rifles e fuzis, além de 12 bombas caseiras, foi encontrado na residência do casal responsável pelo massacre. Também havia no local ferramentas e material para fabricar mais artefatos explosivos. Com 14 mortos e 21 feridos, a chacina foi uma das sete maiores de toda a História dos EUA.
Ontem pela manhã, na Casa Branca, o presidente Barack Obama pediu cautela sobre especulações em relação à motivação, mas, como os agentes dos FBI, também falou na possibilidade de a matança ter sido um atentado terrorista:
— É possível que esteja relacionado com terrorismo, mas nós não sabemos. E também é possível que esteja relacionado ao ambiente de trabalho — afirmou Obama, que desde a época em que era senador já fez pelo menos 16 discursos e pronunciamentos importantes sobre controle de armas. — Até o momento, ainda não sabemos por que ocorreu esse terrível incidente. Nós sabemos que aqueles dois indivíduos que mataram estavam com armas e tinham armamento adicional em casa. Mas não sabemos por que fizeram isso.
De acordo com agentes do FBI, Syed Farook esteve em contato inclusive com uma pessoa nos EUA que era investigada pelas autoridades federais por suspeita de terrorismo nos últimos anos. O casal de atiradores foi morto horas após a chacina, em troca de tiros com policiais num subúrbio de San Bernardino, quando fugia numa caminhonete preta alugada antes do crime.
— Nós não sabemos o motivo. Esta é a grande questão para nós: qual foi a motivação para isso? — indagou o diretor-assistente do FBI em Los Angeles, David Bowdich, em entrevista coletiva.
‘OBVIAMENTE, HAVIA UMA MISSÃO’, DIZ FBI
O chefe de polícia local, Jarrod Burguan, também disse que não sabia o que levou o casal a cometer os assassinatos, mas que poderiam ter matado mais se tivessem sobrevivido, ao se referir não somente ao arsenal na residência deles, mas também a outros cerca de 1.600 cartuchos encontrados com a dupla. Três bombas caseiras foram deixadas no prédio atacado, o Inland Regional Center, um centro de auxílio a pessoas com deficiências no desenvolvimento mental, onde Farook trabalhava havia cinco anos. Os artefatos estavam prontos para detonação por controle remoto, e foram explodidos pelo esquadrão antibombas. O casal usou na chacina dois fuzis e duas pistolas, comprados legalmente.
— Se você observar o óbvio pré-planejamento que fizeram, a quantidade de armamentos e munições, havia, obviamente, uma missão aqui — acrescentou Bowdich. — Mas não sabemos se este (o Inland Regional Center) era o alvo original ou se algo ocorreu para ter desencadeado a ação.
Patrick Baccari, colega de trabalho de Farook, disse que estava sentado à mesma mesa do atirador durante uma confraternização de fim de ano no centro, quando ele “desapareceu de repente”. Há relatos de que teria saído “aborrecido”. Baccari disse que, quando Farook voltou com a mulher e começou o tiroteio, ele ficou escondido num banheiro e sofreu ferimentos leves por estilhaços que atravessaram a parede.
— Se não tivesse ido ao banheiro, provavelmente estaria no chão, morto — contou Baccari, acrescentando que o tiroteio durou cinco minutos.
Farook foi descrito pelo colega de trabalho como reservado, e disse ainda não ter notado sinais de comportamento incomum.
— No início do ano, ele viajou para a Arábia Saudita, por cerca de um mês, e voltou com uma mulher. Depois, deixou a barba crescer — complementou Baccari.
Já Kuuleme Stephens perdeu o amigo Nicholas Thalasinos, de 52 anos, no tiroteio. Em entrevista à revista “Time”, ela contou que Thalasinos lhe revelou que tivera uma discussão com Farook duas semanas antes da chacina, em que o autor do massacre disse que o Islã era pacífico e que os americanos não compreendiam a religião. Segundo Kuuleme, ambos trabalhavam juntos e, regularmente, discutiam política e religião — Thalasinos era judeu e contundente defensor das causas pró-Israel. A mulher de Thalasinos confirmou que o marido já mencionara Farook, mas nunca negativamente.
Por sua vez, um dos imãs da mesquita Dar Al Uloom Al Islamiyah, em San Bernardino, que era frequentada por Farook, afirmou não ter detectado sinais de radicalização no atirador nas últimas semanas. O imã Mahmood Nadvi, de 39 anos, encarregado de conduzir as leituras na mesquita, condenou a chacina.
— Os atos que vimos não representam o que diz o Alcorão: mataram irmãos e irmãs.
De acordo com os registros do divórcio dos pais de Farook, o atirador cresceu numa família marcada pela violência, com a mãe acusando o pai de ser violento e alcoólatra. A mãe de Farook, Rafia Sultana, alegou, em 2006, que o marido, também chamado Syed, a agredira enquanto os filhos estavam presentes, chegando a atirar um aparelho de TV contra ela e a jogando contra um carro. Rafia também relatou ter sido forçada a sair de casa com três dos filhos porque o marido a assediava “verbal e fisicamente, e se recusou a sair de casa”.
Farook tinha ascendência paquistanesa e, num site de relacionamentos, ele se descreveu como de “família religiosa, mas moderna”. Segundo a investigação do FBI, ele fez duas viagens à Arábia Saudita, em 2013 e 2014, para o Hajj, a tradicional peregrinação que muçulmanos devem fazer ao menos uma vez na vida. Na segunda vez, voltou com a mulher, Tashfeen Malik, paquistanesa, que conhecera por rede social. Segundo o FBI, não se sabe ainda se os dois passaram por outros países na viagem. Antes de saírem para cometer a chacina, deixaram a filha, de apenas 6 meses, com a mãe dele, alegando que iam a uma consulta médica.
Fonte: O GLOBO